Comidas
Umas coisas boas nas viagens, sem dúvida, é comer e beber. Em quase todos os meus escritos as dicas de bares e restaurantes são grandes e, sempre com algum nível de detalhe para permitir que você possa se deliciar, como eu, das coisas boas das farras gastronômicas e etílicas. Uma delícia de crônica li essa semana no Estadão, de Antonio Prata (que eu não conhecia e já gostei!) fala sobre as comidas perseguidas pela onda light que assola o planeta. Assino embaixo, em cima, ao lado e em todos os guardanapos dos botecos a sua "campanha" contra o tal "pensamento único" e em defesa da "preservação" da calabresa! Leia direto no blog de Antonio Prata, a crônica Pensamento Único. Não resisto em reproduzí-la inteira aqui embaixo...Pensamento Único
Antonio Prata
"A calabresa está com os dias contados. É a próxima vítima na cruzada puritana que assola o Globo. Quando a última bituca for apagada no fundo do derradeiro copo de chope, pode anotar: eles virão atrás da lingüiça. A caçada, na verdade, já começou. Ontem à noite, num bar, uma garota em minha mesa resolveu desafiar o espírito do tempo e pedir ao garçom, sob olhares atônitos dos outros comensais, um sanduíche de calabresa. O resto da turma a olhou, incrédulo. Diante de suflês de abobrinha, saladas verdes e outros corolários anódinos do auto-controle, pareciam dizer, cheios de orgulho e inveja: você não sabe que não se pede mais esse tipo de coisa?! Por enquanto, a repressão é apenas cultural, mas é assim que começa. Em breve os carnívoros começarão a ser hostilizados em restaurantes. Depois, quem sabe, serão obrigados a usar estrelas vermelhas costuradas à roupa. Daí para os cercarem em guetos e você-sabe-bem-como-essa-história-termina é apenas um passo. A moda agora é das comidas funcionais. Suco de berinjela, salada de alfafa, meia uva com três grãos de gergelim... Tudo pelo bom funcionamento do sistema digestivo, como se fôssemos meras máquinas a serem reguladas. Daqui a pouco o garçom vai perguntar, enquanto toma nosso pedido: “quer que dê uma olhada no óleo e na água?”. Podem dizer que é para o nosso próprio bem. Que a gordura mata e o agrião salva. Amém. Acredito, no entanto, que a opção preferencial pelas fibras nada tem a ver com a saúde do corpo mas, sim, com uma doença da alma: o sabor está ficando démodé. Há uma espécie de ascetismo religioso nessa austeridade dietética. Um júbilo penitente pelo auto-controle. Segundo o novo moralismo alimentar, os gordos são preguiçosos, os carnívoros são lascivos e quem pede uma calabresa, de noite, na frente dos outros, só pode estar completamente fora de sintonia com a própria época. A questão é séria e requer uma atitude. Glutões de todo o mundo, discípulos de Baco, cultores do bom, do belo e do supérfluo, uni-vos: o prazer subiu no telhado. Ponham as carnes na grelha, aumentem o som, abram um vinho, reajam! Antes que seja tarde e o mundo se transforme numa barra de cereal. Light." (Antonio Prata)